Os milagres poéticos, como qualquer milagre, não escolhem lugar para acontecer. Fernando Pessoa, um dos poetas mais importantes do século XX e "um dos poetas mais singulares de todos os tempos" (Otto Maria Carpeaux), figura universal, estudado e imitado nos quatro cantos do mundo, do Japão ao Equador, da França à Austrália, surgiu em um momento em que a literatura portuguesa atravessava um período de estagnação, que vinha se acentuando desde o desaparecimento da geração de Eça de Queirós e Antero de Quental. Nascido em Lisboa, em 1888, foi educado em Durban (África do Sul), para onde a sua mãe se mudara, após o segundo casamento. Desde os treze anos escreveu poemas em inglês e foi nesse idioma que fez a sua estreia, em 1918, com dois folhetos, Antinous e 35 Sonnets, repletos de angústia diante da impotência de desvendar os mistérios da vida. No dia a dia, levava uma vida modesta, trabalhando como correspondente comercial e frequentando um limitado círculo de amigos. Como ser humano definiu-se como "histeroneurastênico", histérico na emoção e neurastênico na inteligência e na vontade. Em 1934, publicou Mensagem, poemas em louvor da pátria, que recebeu um prêmio oficial. Quando morreu, no ano seguinte, era quase um desconhecido. Só então, graças à iniciativa de amigos, a sua obra inédita começou a ser editada, revelando o verdadeiro Fernando Pessoa, poeta sentimental, herdeiro do simbolismo ("o poeta é um fingidor"), e os seus heterônimos, o cético Alberto Caeiro ("o único sentido oculto das coisas/ é elas não terem sentido oculto nenhum"), o sensual Álvaro de Campos, discípulo de Walt Whitman, vivendo experiências extremas de desagregação da personalidade ("de quem é o olhar que espreita por meus olhos?"), o meio pagão Ricardo Reis ("tenho mais almas que uma"). Foi um terremoto, cuja vibração continua abalando a poesia universal.