Ao abrir o cardápio/sumário deste livro, o leitor vai se deparar com uma sorte de iguarias: baião de dois, bode guisado, goiabada com queijo, mangas frescas, tamales, carne de porco "em puas" e folhas de goiaba, cabritos, xinxim de galinha, arroz de coco, farofa de dendê, coxinhas, pastéis… mas também será arremessado para o avesso do banquete ao constatar como uma quantidade expressiva de filmes apresentam a escassez, a indigestão, como contraponto à fartura, e propõem a fome como estética e como política.
Se esta obra se filia teoricamente ao que se convencionou denominar "gastrocrítica" ou "gastrocinema", pouco importa aqui. O que percebemos, admirados, é o ineditismo e pioneirismo do gesto: a vertical análise da comida no cinema. Por meio de onze textos oferecidos e postos à mesa, conhecemos culturas visuais específicas – asiáticas, europeias, latino-americanas, norte-americanas –, assim como reflexões sobre a forte imersão do cinema gastronômico nas últimas décadas e as inúmeras nuances que a comida fornece nesses filmes e em determinadas séries lançadas no contemporâneo formato de streaming.
Quando chegamos à sobremesa, estamos convencidos de que a visualidade da comida problematiza práticas sociais, econômicas, sexuais e simbólicas; e de quão pertinente é estudar as múltiplas conotações do comer e do beber em seus aspectos sociais, raciais, geográficos, identitários, históricos, sexuais, antropológicos, religiosos, filosóficos, médicos, culturais, psicológicos, ideológico-políticos, genéricos e linguísticos.
Como lembrado pelo diretor Marcos Jorge, "o homem é o único animal que cozinha". Logo, poucas coisas são tão humanas quanto trazer o fogo e o tempo como aliados, transformar o cru em cozido, comer junto, fazer poesia e roteiros em lugares públicos, como os cafés.
Comer com os olhos contribui, decisivamente, para tirar a fome intelectual que muitos leitores têm do assunto e para melhor entender os múltiplos papéis da comida no cinema. Só resta, assim, desejar: bom apetite!